Jeans brasileiro: das passarelas ao Brás, a transformação de um ícone da moda no SPFW
Ao longo das últimas três décadas, o jeans brasileiro deixou de ser apenas um símbolo de juventude e rebeldia para tornar-se uma referência de inovação, estilo e identidade nacional. Desde os anos 1990, quando o calendário oficial da moda brasileira foi lançado, o denim era o fio condutor de uma indústria que pulsava nas grandes capitais e movimentava milhares de empregos diretos. Hoje, o cenário é outro — mais plural, descentralizado e desafiador —, mas o tecido que vestiu gerações ainda dita comportamento e tendência.
A presença do jeans nas passarelas da São Paulo Fashion Week (SPFW) continua sendo um testemunho da relevância desse material na construção da estética brasileira. A história da moda nacional está costurada por ele: das coleções icônicas da Zoomp, Ellus e Forum, que marcaram os anos 80 e 90, até as releituras autorais de grifes contemporâneas como Amapô, que reinterpretam o jeans em linguagem experimental e urbana.
Do glamour das passarelas à democratização do Brás: o novo mapa do jeans brasileiro
Quando o calendário oficial de moda foi lançado no Brasil, o mercado era dominado por um público jovem e por marcas que faziam do jeanswear a base de seu negócio. Essa fase foi marcada pela ascensão de grifes que conseguiram transformar um tecido operário em objeto de desejo fashion.
Hoje, no entanto, o ecossistema do jeans brasileiro é mais pulverizado. A produção, que antes estava centralizada em grandes marcas, encontra seu novo polo criativo em regiões como o Brás e o Bom Retiro, em São Paulo. É ali que nascem as modelagens mais desejadas do momento, com microempreendedores, confecções familiares e novos designers que buscam reposicionar o jeans como expressão popular e democrática.
Segundo Carolina Gold e Pitty Talliani, da marca Amapô, o panorama atual é múltiplo e descentralizado:
“O mercado brasileiro era dominado pelas grandes marcas, das quais nós também éramos super fãs. Zoomp, Forum, Ellus… Foi bem no momento em que o mercado se abriu para marcas internacionais, mas não tinha novidade brasileira. A gente chegou nesse lugar! Hoje, o jeans está no Brás e Bom Retiro, com modelagens do momento. Está bem pulverizado. O jeans é democrático, mas falta uma pessoa nova.”
A fala das designers sintetiza a transformação do setor. O jeans nacional continua sendo símbolo de liberdade, mas agora em outro formato: o de um mercado plural e inclusivo, que reflete a diversidade de corpos, estilos e narrativas do país.
Os anos 90 e o apogeu do jeans na moda brasileira
Para compreender o presente, é necessário revisitar os anos 1990 — o período de ouro da moda jeans no Brasil. Essa década marcou o auge de marcas como Ellus, Zoomp e Forum, que elevaram o jeanswear à categoria de alta moda. Os desfiles dessas etiquetas eram aguardados com a mesma expectativa que as grandes maisons internacionais.
De acordo com Adriana Bozon, diretora criativa da Ellus, o jeans era o coração da moda nacional:
“Nos anos 90, tivemos uma época muito forte do jeans. As maiores marcas de moda eram pautadas por ele. Forum e Zoomp eram nossos principais concorrentes, e a disputa era intensa. Com o tempo, o mercado se diversificou. Hoje, tanto no Brasil quanto no mundo, há marcas relevantes que não são apenas pautadas pelo jeans. Isso acompanha a evolução do estilo de vida e do desejo de moda.”
O depoimento de Bozon reforça uma verdade: o jeans acompanhou as mudanças culturais e econômicas do país. Ele refletia o espírito da época — urbano, jovem, moderno e sensual. Vestir jeans era um gesto de pertencimento a um Brasil que se industrializava, se globalizava e, ao mesmo tempo, buscava identidade própria.
O papel histórico das grifes icônicas: Ellus, Zoomp e Forum
O trio Ellus, Zoomp e Forum formou o eixo criativo que definiu o estilo jeans brasileiro. Cada marca possuía uma linguagem própria:
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Zoomp apostava na sensualidade e na comunicação ousada.
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Forum, criada por Tufi Duek, representava a sofisticação e o glamour urbano.
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Ellus, por sua vez, desenvolveu uma assinatura de rebeldia refinada, misturando atitude e técnica.
Essas marcas não apenas dominaram as passarelas, mas também consolidaram o jeans como símbolo de status, aproximando o público da moda de luxo. O tecido, que antes era sinônimo de trabalho e resistência, passou a ocupar vitrines premium e a representar liberdade criativa.
O sucesso foi tamanho que o Brasil se tornou, por anos, referência mundial em design de jeanswear, exportando não apenas peças, mas estilo.
A chegada das marcas internacionais e a reinvenção do mercado nacional
O início dos anos 2000 trouxe uma nova onda de desafios. A abertura comercial e a chegada de marcas internacionais como Levi’s, Diesel e Guess transformaram o cenário competitivo. O consumidor passou a ter acesso a novos padrões de qualidade e tendências globais.
Enquanto algumas marcas nacionais sofreram para manter sua relevância, outras enxergaram nessa mudança uma oportunidade de reinvenção estética e produtiva. Foi nesse contexto que surgiram nomes independentes como Amapô, Blue Man e Triton Jeans, que reinterpretaram o denim sob uma ótica experimental e urbana, próxima das novas gerações.
Essas grifes resgataram o espírito provocador do jeanswear, mas com novas camadas de discurso — incluindo temas como sustentabilidade, inclusão e representatividade. O jeans brasileiro, portanto, não desapareceu: ele se transformou.
Gloria Kalil e a gênese do jeans moderno no Brasil
A história do jeans no Brasil não seria completa sem mencionar o papel de Gloria Kalil, jornalista e empresária pioneira que ajudou a consolidar o setor.
Ela recorda que, no final dos anos 1970, introduziu no país a marca italiana Fiorucci, ícone do estilo jovem europeu, que unia moda e estilo de vida.
“No final dos anos 70, trouxe para o Brasil a Fiorucci, a primeira marca jovem onde o jeans e o estilo de vida eram uma coisa só. Já havia indústrias de jeans aqui, mas a vinda da Fiorucci deu uma referência para um movimento que já estava acontecendo. O jeans é uma moda de volume e precisa de produção em escala. Naquela época, a indústria da moda teve grande importância e empregava muita gente. Hoje isso mudou.”
A chegada da Fiorucci marcou o início da conexão entre moda e comportamento no Brasil. O jeans passou a ser parte da cultura pop, presente em novelas, videoclipes e nas ruas — uma roupa que traduzia liberdade e juventude.
O impacto do jeans nas semanas de moda e no SPFW
Durante os anos de consolidação do São Paulo Fashion Week (SPFW), o jeans sempre teve papel de destaque. Ele era o elo entre a moda de passarela e o consumo real, conectando a criação autoral ao desejo popular.
Desfiles históricos das marcas Ellus, Triton, Cavalera e Amapô transformaram o denim em protagonista. O jeans não era apenas um tecido, mas um manifesto — uma tela sobre a qual estilistas brasileiros escreviam sua própria narrativa.
Hoje, o SPFW mantém o jeans como um dos símbolos de identidade nacional. A presença de novas marcas que trabalham com reuso, customização e técnicas artesanais reforça a ideia de que o denim brasileiro continua sendo um laboratório de inovação.
A nova era do jeans: sustentabilidade e propósito
Na última década, a sustentabilidade tornou-se o eixo central do discurso de moda em todo o mundo — e o jeans, um dos produtos mais desafiadores nesse sentido, precisou se reinventar. A produção tradicional de denim consome grandes volumes de água e energia, e novas soluções vêm sendo implementadas por marcas brasileiras para reduzir o impacto ambiental.
Iniciativas como lavagens a seco, tingimentos naturais e reaproveitamento de tecidos transformaram o jeans em símbolo de consciência. Grifes como Amapô, Ellus e Reptilia investem em denim sustentável, utilizando algodão orgânico e processos de baixo impacto.
O jeans brasileiro de 2025 é mais do que uma tendência: é um símbolo de reconstrução da indústria da moda nacional — um tecido que carrega passado, presente e futuro em cada fibra.
O jeans como espelho da sociedade brasileira
O sucesso e as transformações do jeans no Brasil sempre refletiram as mudanças do próprio país. Nos anos 80 e 90, o denim era símbolo de ascensão social; nos 2000, virou objeto de desejo global; e agora, em 2025, assume o papel de manifesto social e ambiental.
Nas palavras de Gloria Kalil, o jeans continua sendo o tecido da maioria — e é justamente essa democratização que o mantém relevante. Ele une classes, estilos e gerações, sendo uma das raras linguagens universais da moda.
O jeans que vestiu o Brasil continua a fazer história
Do auge das passarelas da Zoomp e Ellus às costuras artesanais do Brás, o jeans brasileiro se mantém como um pilar da moda nacional. Sua trajetória, contada por estilistas, jornalistas e marcas, revela muito mais do que uma tendência: é a história de um país que aprendeu a se expressar através do vestir.
O SPFW continua sendo o palco onde esse tecido icônico se reinventa, agora com novas vozes, novos discursos e novas causas. A era da moda jovem e industrial deu lugar a um tempo de autoria, propósito e sustentabilidade — mas o jeans, esse eterno clássico, continua sendo o coração da moda brasileira.







































