Angela Ro Ro morre aos 75 anos: legado da cantora ícone da MPB e pioneira LGBTQIAPN+
A morte de Angela Ro Ro, nesta segunda-feira (8), aos 75 anos, no Rio de Janeiro, encerra uma trajetória marcante na música e na cultura brasileira. A artista sofreu uma parada cardíaca após complicações de saúde decorrentes de um procedimento cirúrgico. Internada desde julho no Hospital Silvestre, em Cosme Velho, enfrentava problemas respiratórios graves após uma traqueostomia e uma infecção pulmonar.
Ícone da MPB, Angela Ro Ro foi mais do que uma intérprete de sucessos: tornou-se símbolo de resistência, coragem e autenticidade. Primeira artista de prestígio da música nacional a assumir publicamente sua homossexualidade ainda nos anos 1970, ela rompeu tabus em um período de forte repressão e abriu caminhos para a representatividade LGBTQIAPN+ no Brasil.
A trajetória de Angela Ro Ro na música brasileira
Nascida em 5 de dezembro de 1949, Angela Ro Ro conquistou destaque no cenário musical com sua voz rouca inconfundível e um estilo que transitava entre a sofisticação do jazz, a intensidade do blues e a poesia da MPB.
Sua carreira deslanchou no final da década de 1970 e início dos anos 1980, quando lançou discos que se tornaram clássicos. Obras como Angela Ro Ro (1979), Só nos Resta Viver (1980) e Escândalo (1981) a colocaram entre as vozes mais marcantes da época.
A artista também se destacou como compositora, escrevendo letras carregadas de emoção, paixão e ironia, que refletiam sua vida intensa e sem filtros.
Pioneirismo e coragem
Muito antes de termos discussões abertas sobre diversidade, Angela Ro Ro já desafiava padrões ao assumir-se lésbica em entrevistas e no próprio palco. Na década de 1970, em um Brasil conservador e em plena ditadura militar, essa postura custou caro: sofreu violência física, perseguições e episódios de homofobia que marcaram sua trajetória.
Mesmo diante de agressões e da tentativa de silenciamento, ela nunca recuou. Ao contrário, tornou-se um exemplo de autenticidade e firmeza. Orgulhosa de sua identidade, afirmava: “Continuo gay, continuo homo, continuo lésbica, continuo mulher, continuo gostando de ser feminina e gostando de ser mulher”.
Essa postura a transformou em referência para a comunidade LGBTQIAPN+, sendo considerada uma das primeiras artistas brasileiras a defender com orgulho sua orientação sexual.
A vida amorosa e o “Escândalo” com Zizi Possi
A vida pessoal de Angela Ro Ro também esteve frequentemente nas manchetes. Seu relacionamento com Zizi Possi, marcado por intensidade e polêmicas, durou cerca de um ano e meio e acabou estampado em jornais como “escândalo”.
O episódio acabou inspirando Caetano Veloso a compor a música Escândalo, que mais tarde se tornaria o título de um dos discos mais emblemáticos de Ro Ro, lançado em 1981.
Com humor característico, ela costumava dizer que sua fama de “pegadora” era “pura fama, não é proveito”. Para Angela, sexualidade nunca foi polêmica: era apenas parte essencial de sua identidade.
Resiliência diante da homofobia
Ao longo da vida, Angela relatou episódios de violência homofóbica que quase custaram sua vida. Nos anos 1980, chegou a ser espancada várias vezes e perdeu parte da visão em decorrência das agressões.
Ainda assim, manteve a força e a irreverência, características que a tornaram querida por gerações de fãs. Para ela, sobreviver e seguir cantando era também um ato de resistência.
Os últimos anos e a luta pela saúde
Nos últimos anos, a saúde de Angela Ro Ro fragilizou-se. A cantora vinha pedindo apoio financeiro em suas redes sociais, já que as dificuldades médicas e a impossibilidade de realizar shows comprometeram sua renda. Mesmo debilitada, fez raras apresentações, como o show comemorativo de 75 anos no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, em 2025.
Ela manteve até o fim o espírito livre, a ironia afiada e a paixão pela música. Em entrevistas recentes, reafirmava seu amor pela vida, pelas mulheres e pela arte.
O legado de Angela Ro Ro
O impacto de Angela Ro Ro vai além da música. Ela deixa um legado cultural e social profundo:
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Na música: foi uma das artistas mais autênticas e intensas da MPB, com repertório que continua a emocionar gerações.
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Na representatividade: tornou-se pioneira da visibilidade lésbica no Brasil, inspirando incontáveis pessoas a viverem suas identidades com orgulho.
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Na coragem: enfrentou preconceito, violência e dificuldades financeiras, mas jamais abriu mão de ser quem era.
Sua vida será eternizada também no documentário Angela Ro Ro, de Liliane Mutti, que está em fase de finalização e deve contar sua trajetória em detalhes.
Uma voz que nunca será silenciada
Com a morte de Angela Ro Ro, o Brasil perde uma de suas maiores artistas, mas ganha o compromisso de manter viva sua memória. Sua música, sua coragem e sua autenticidade permanecem como herança para as próximas gerações.
Ro Ro partiu, mas sua voz, sua rebeldia e sua verdade continuarão ecoando na MPB e na luta pela diversidade e pelo respeito.