Bissexualidade de Billie Eilish: entenda por que beijar um homem não nega seu gênero
A bissexualidade de Billie Eilish está sendo questionada nas redes sociais, mas é hora de desfazer mitos: beijar um homem não significa que a cantora “não seja mais bissexual”. A atração por múltiplos gêneros é exatamente o que define essa orientação. Mesmo assim, muitos – até dentro da comunidade LGBTQIA+ – insistem em padrões binários que negam essa realidade.
Comentários como “jurava que ela era do vale”, “um homem? não era bissexual?” e até “fui enganada” seriam hilários se não fossem tão tristes. E vêm justamente de quem deveria entender melhor, de pessoas que se identificam como lésbicas ou queer. A verdade é que o preconceito bissexual não está lá fora: está entre nós.
Billie Eilish e a trajetória queer: sentimentos genuínos
Billie nunca fingiu nada. Ela já foi acusada de praticar “pink money” – usar simbologia queer sem assumir orientação – em videoclipes como Lost Cause. E só em 2023, em entrevista, confirmou que era bissexual. Seu namoro com Nat Wolff, um ator, foi o estopim de uma enxurrada de reações, mesmo que ele tenha aparecido em seu novo clipe Chihiro.
Infelizmente, parece que isso preocupa mais a quem vive o movimento e quer comprovar pertencimento. Mas a bissexualidade não é um ato político: é uma identidade real e completa.
Violência interna: quando a comunidade rejeita as próprias pessoas
Quem sofre com bissexfobia são as pessoas bissexuais – e isso acontece tanto fora quanto dentro da LGBTQIA+. O Manifesto Bissexual de 1990 deixou isso claro: essa orientação é fluida e legítima, não uma fase ou indecisão. Ainda assim, enfrentamos rejeição: monosexuais tentam ditar quem pode ou não reivindicar identidade.
Comentários ignorantes refletem isso: homens bissexuais são vistos como “indecisos” ou “promíscuos”, e mulheres são fetichizadas. Mesmo quando alguém está feliz num relacionamento heterossexual, isso logo vira sinônimo de “ter virado hétero”, como se identidade ou traços sumissem por conta de quem escolhem amar.
Relatos que doem: a vida real por trás do debate
Muitos bissexuais não revelam seus relacionamentos verdadeiros por medo do julgamento. Eu me incluo: me assumi aos 18 anos, mas quando passei a namorar um homem, ouvi “só está na dúvida até trocar de fase”. Machuca. Essas dores chegam a pessoas anônimas — filhos, mães, amigos — bem mais vulneráveis do que Billie, que tem fama, dinheiro e apoio. A exposição que recebemos online atinge pessoas já em discussão com sua própria identidade, especialmente no mês do Orgulho.
A bissexualidade é legítima – sempre
Ser bissexual não exige comportamento específico, namoro com pessoas de gêneros variados nem performances públicas. E não inviabiliza o acesso a direitos: casais biheteros casam, registram filhos e evitam violências. Isso não nos torna menos LGBTQIA+ – torna nossas trajetórias mais invisibilizadas.
Bissexuais expressam identidade e políticas próprias sobre gênero e afeto. Estar ao lado de pessoas hétero e queer não é infidelidade nem apropriação. Nossa luta segue firme no combate à cis‑heteronormatividade, à bifobia interna e externa, aos discursos que silenciamos em nós mesmas.
Estatísticas que gritam por atenção
A LGBTQIA+ brasileira enfrenta violência diária, com taxa de homicídio elevadíssima. Em 2024, o Brasil ficou em primeiro no mundo nesse triste ranking, registrando um assassinato a cada 30 horas – foram 291 vítimas, 18 vítimas de suicídio, sendo 7 bissexuais. Isso mostra que, enquanto estamos ocupadas em discutir “quem é ou não é bissexual”, pessoas morrem por serem justamente isso.
Nos EUA, estudos como o do Instituto Williams (UCLA) apontam que bissexuais têm 1,5 vezes mais chance de ter pensamentos suicidas. Essa estatística não mente: precisa de empatia, menos exigências, menos julgamentos, mais visibilidade e acolhimento.
Por que insistir em provar identidade que já existe?
A raiz desse comportamento dentro da comunidade marca uma falha: estamos repetindo padrões de exclusão aos quais fomos historicamente submetidos. Estabelecemos hierarquia de orientação onde ressuscitamos ideias como:
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“Se está com um homem, virou hétero”
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“Se estava com uma mulher, virou lésbica”
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“Bissexualidade não é real, é etiqueta conveniente”
Isso é opressão internalizada, imposição de coerência afetiva, ditadura de identidade. Sem identidade coerente, não se pertence ao movimento. E isso precisa mudar.
Solidariedade, não vigilância
Precisamos que a comunidade LGBTQIA+ evolua: que apoie bissexuais sem exigir “provas” de que somos, de fato, bissexuais. Seja um relacionamento bi+ amoroso, romântico ou sexual, ou seja um namoro com alguém de gênero diferente. Não torna ninguém mais nem menos queer.
Bissexuais estão nas trincheiras do respeito à pluralidade, ao respeito à dissidência. Mas somos tratados como “profanadores” do movimento quando nossa vida não se encaixa em binários.
Impacto no Orgulho LGBTQIA+
Nesse Mês do Orgulho, somos lembradas de que nossas vidas importam – mas só se estivermos sofrendo pressões visíveis. Quando beijamos um homem (ou mulher), somos automaticamente “desmentidas”. Mas somos mais que nosso comportamento público: somos uma identidade política, emocional, social, afetiva.
É hora de crescermos, enquanto movimento. Aceitar bissexuais nas múltiplas expressões, sem bradar “mostre provas”, é evolução. E evoluir é respeitar a pluralidade.
Billie Eilish e o futuro da visibilidade bi
Billie Eilish segue generosa em seu ativismo, confidência e arte. Seu beijo com Nat Wolff não é renegação — é prova de que vive pessoalmente a bissexualidade, sem espetáculos. E as reações revelam o quê? Uma comunidade que insiste em vedar identidades que desafiam linearidade.
Mas a mudança será histórica quando aceitarmos que identidade não precisa de coerência externa, nem aprovações públicas. Quando entender isso, avançamos.