Da casca de banana ao fungo: como marcas de luxo estão substituindo o couro animal
O universo da moda está em plena transformação, e com o início do SPFW N60, em 13 de outubro de 2025, as atenções não se limitam apenas às passarelas. Cada coleção apresentada traz mensagens sobre o futuro da moda, suas prioridades e os valores que cada grife quer comunicar. Um dos movimentos mais significativos da indústria atualmente é a adoção de biomateriais para substituir o couro animal, promovendo inovação, sustentabilidade e luxo ético.
Nos últimos anos, marcas de luxo e designers independentes têm desenvolvido materiais que transformam resíduos orgânicos e plantas em bolsas, roupas, calçados e acessórios que desafiam o conceito tradicional de luxo. Entre os exemplos mais emblemáticos, estão o Biocuero, feito a partir da casca de banana pela marca espanhola Sentèz; o beLEAF, produzido no Brasil a partir da planta orelha-de-elefante; e o Mylo, à base de cogumelos, que já conquistou grifes internacionais como Hermès e Stella McCartney. Esses materiais demonstram como é possível aliar estética sofisticada, performance comparável ao couro tradicional e respeito ao meio ambiente.
Biomateriais: inovação sustentável na moda
Claudia Epszteyn, fundadora da Sentèz, destaca que o Biocuero é resultado de quase dois anos de pesquisa e desenvolvimento, sendo produzido com 70% de resíduos industriais, como cascas de frutas e celulose bacteriana proveniente da fermentação do kombucha. O processo é sustentável, não utiliza altas temperaturas nem produtos químicos nocivos, e permite que a peça seja compostada ao final de seu ciclo de vida, retornando ao solo como fertilizante natural. Para produzir uma bolsa de tamanho médio, são necessárias cerca de 18 cascas de banana, transformando o que seria lixo em um produto de alto valor agregado.
No Brasil, André de Castro, diretor de marketing da beLEAF, ressalta que a inovação está na autenticidade dos materiais e não na tentativa de imitar o couro animal. “Não estamos tentando parecer o couro bovino, mas abraçar a cara natural da folha”, afirma. A empresa já firmou parcerias com grifes renomadas como Loewe, Christian Louboutin, Misci e Lenny Niemeyer, criando um processo de biocurtimento que preserva 100% da textura natural das folhas.
O produto final da beLEAF é biodegradável, resistente e com performance semelhante ao couro animal, podendo receber acabamentos variados, do fosco ao brilho. Entretanto, a empresa ainda enfrenta desafios: pequenas quantidades de PU (poliuretano) são usadas para reforçar a estrutura do material, e a meta é criar uma composição totalmente vegetal e livre de polímeros fósseis.
Design autoral e impacto social
Outro destaque é a marca Leoniê, fundada pelo designer pernambucano Marlu Fonseca, que aposta em um luxo regenerativo. As peças combinam materiais inovadores e éticos, como couro de cacto da Desserto, borracha amazônica produzida por comunidades no Pará, folhas de orelha-de-elefante, fibras de PET reciclado, linho e compostos de soja e sal marinho. Cada criação traz dados de rastreabilidade, redução de emissões de carbono e origem ética da produção, e ainda apresenta design modular, que minimiza o consumo excessivo.
Para Fonseca, o couro vegetal pode custar até três vezes mais do que o couro tradicional, mas este investimento representa um compromisso com o futuro, inovação e responsabilidade social, não um obstáculo. A decisão de substituir o couro animal foi ética, estética e estratégica: ética por rejeitar o sofrimento animal, estética por valorizar texturas orgânicas e únicas, e estratégica por acreditar que o futuro do luxo pertence a quem une responsabilidade e inovação.
Sustentabilidade de fato ou greenwashing?
Apesar das inovações, a indústria enfrenta desafios para garantir que os materiais alternativos sejam verdadeiramente sustentáveis. Claudia Castanheira, pesquisadora do Instituto Fashion Revolution Brasil, enfatiza a importância de analisar todo o ciclo de vida dos biomateriais, desde o cultivo até a compostagem. Um material natural, produzido em larga escala sem planejamento, pode causar impactos negativos, como monoculturas, deslocamento de comunidades e perda de biodiversidade.
A moda é responsável por até 8% das emissões globais de carbono, e no Brasil menos de 20% dos resíduos têxteis são reciclados. Dados da pesquisa GenZ Insights mostram que 87% dos consumidores preferem marcas sustentáveis, mas o risco de greenwashing é real. Marcas podem promover produtos “verdes” sem realmente reduzir impactos ambientais, transformando inovação em estratégia de marketing.
Alguns biomateriais em destaque incluem:
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Piñatex: feito de folhas de abacaxi, usado por Hugo Boss.
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Tômtex: feito de borra de café e quitina de crustáceos.
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Mylo: produzido a partir de micélio de cogumelos, utilizado por Hermès e Stella McCartney, com produção restrita e custo elevado.
Castanheira reforça que o verdadeiro avanço sustentável não está apenas na substituição do couro, mas em repensar o ritmo de produção e consumo. Um material só é transformador se vier acompanhado de modelos de negócio circulares e transparentes, caso contrário, corre-se o risco de ser apenas mais um produto no mercado.
Desafios técnicos e logísticos
Produzir biomateriais em escala envolve desafios técnicos e climáticos. No caso da beLEAF, as folhas precisam ser cultivadas em sistemas agroflorestais e colhidas em épocas específicas do ano. André de Castro explica que durante períodos de seca, manter a produção é complexo, mas a empresa desenvolveu um processo que permite preservar folhas por meses, garantindo fluxo contínuo de matéria-prima.
Mesmo com narrativas poderosas e materiais inovadores, o luxo do futuro dependerá de um equilíbrio delicado entre inovação, ética e desejo do consumidor. Marlu Fonseca aponta que ainda existe certo preconceito contra materiais sustentáveis, vistos como “rústicos” ou “alternativos demais”. Ele afirma que se grandes marcas, como Gucci e Hermès, adotassem materiais alternativos em suas linhas principais, o impacto ambiental positivo seria expressivo e a aceitação do público muito maior.
O futuro do luxo
O cenário atual da moda demonstra que a substituição do couro animal por couro vegetal e biomateriais inovadores vai além de uma tendência estética. Trata-se de uma revolução ética e ambiental, capaz de transformar a indústria, reduzir impactos, valorizar comunidades e criar uma narrativa de luxo responsável. À medida que consumidores buscam marcas com propósito, autenticidade e respeito à natureza, o futuro da moda parece caminhar para materiais inovadores, design sustentável e economia circular, colocando o couro vegetal como protagonista dessa nova era.







































